quinta-feira, 28 de julho de 2011

Enquanto isso... No posto de saúde

- Preciso dos seus dados para preencher sua ficha.
- OK.
- Qual o seu nome?
- Juliana Sabino.
- Só isso?
- Só isso o quê?
- De sobrenome.
- Ah! de Sousa.
- Me empresta sua identidade e comprovante de residência. É para preencher o restante da ficha.
- Ah tá. Toma aí.

Após alguns minutos preenchendo a ficha, ela me pergunta:

- Eu não sei bem para quê eles querem saber disso, mas... Até que série você estudou, meu bem?
- Eu tenho o superior completo.
- Superior completo?
- É.
- Faculdade?
- É.
- Eu queria saber por que eles querem saber disso? E o que é que tem isso?
- Isso é para constar em estatísticas do governo. Eles querem saber o perfil dos frequentadores do posto de saúde. Saber que tipo de doença afeta mais cada idade, cada sexo. O grau de instrução das pessoas... Essas coisas.
- E o pior não é nada, minha filha. E quando eu pergunto até que série a pessoa estudou, e ela me responde que tem o segundo grau "compreto"? É mole? Segundo grau, hein! "Compreto". Como pode alguém com segundo grau falar "compreto"? Diz aí, o que é que eu faço? Eu marco o quê aqui na ficha? Porque o segundo grau aqui da ficha é com-ple-to!
- Então faz uma outra opção aí do lado, senhora. Escreva segundo grau "compreto", faça um quadradinho aí e marca.
- É, né! Aí dá para saber que tipo de segundo grau a pessoa fez, não é mesmo. Vai para a estatística do governo.

Ela faz uma cara de espanto e retruca:

- Ué! Mas uma pessoa que fez faculdade frequenta posto público de saúde?
- E o que é que tem?
- Gente que fez faculdade tem plano de saúde, não vai a posto de saúde. Paga hospital particular... Tem dinheiro, né? Agora você, com faculdade, vem a posto de saúde? Por quê?
- Eu sou uma graduada "dura", minha senhora. Ainda estou em início de carreira.
- (risos debochados!)

domingo, 24 de julho de 2011

O meu mundo

Cada um tem a sua vida, o seu mundo. Você tem o seu mundo e eu tenho o meu.
Um mundo é o conjunto de características adquiridas ao longo das experiências vividas aliada a personalidade de alguém.
E por cada um ter o seu mundo, cada mundo é um mundo. E isso independe de sobrenome, de que época ou de consanguinidade. Você tem o seu mundo, e eu, o meu.
Ninguém é dono do mundo de ninguém. E só se pode fazer parte do mundo de alguém, se esse lhe permitir compartilhá-lo, porque o mundo alheio é terra que só se entra se as fronteiras estiverem abertas, e ainda mediante convite. Desse modo, ninguém é obrigado a fazer parte do mundo de ninguém, mesmo levando-se em conta o grau de parentesco ou a convivência.
Se você se incomoda em dividir o seu mundo comigo, é só levantar as suas cercas ou o seu muro.
O meu mundo é o meu mundo. Ele tem as minhas características, tem os meus gostos, tem mais pecados que virtudes, é quase sem perdão.
O meu mundo sou eu: cheio de imperfeições, agressivo, desconfiado, seletivo, e ás vezes, divertido (para quem o entende ou com ele se identifica). Ele é frágil, cheio de mágoa, deprimido, deprimente, pulsante de raiva, desequilibrado, no limite, nos extremos. Minhas palavras soam como um soco no estômago, elas ferem como flechas de veneno e meu humor é irritante.
Por eu ser diferente, eu incomodo, causo estranheza, logo minha presença é, muitas vezes, insuportável. Mas assim sou eu, e assim é o meu mundo.
Você pode não gostar dele, pode não concordar com ele, mas, por favor, não o critique, não o julgue errado, não o condene, não o sentencie de acordo com as leis e normas do seu mundo. Até porque o seu mundo é um conjunto de características adquiridas ao longo das suas experiências vividas aliadas a sua personalidade. Tal qual o meu o é.
Eu bem sei dos problemas do meu mundo, sei que devo melhorá-lo, mas saiba você também que isso é um trabalho solitário, penoso e severamente particular. Cabe só a mim o fazer, porque o meu mundo é só meu.
A solidão que vivo comigo mesma é quem me diz o quão árduo e doloroso é o exercício de me olhar no espelho todos os dias, de enfrentar o que me reflete, de lutar contra meus próprios monstros, de disciplinar meus iminentes erros, de ser meu próprio carrasco, meu próprio general.
Eu sei o preço que pago por ser quem sou, não pago barato, nem parcelado, nem livre de juros.
Tudo o que vivi me gerou consequências, e minha personalidade (viciosa ou não) é a responsável pelo modo como processei essas consequências. Se só valorizo o pior ao invés do melhor, se minha boca jorra veneno ao invés de antídoto, se firo ao invés de curar, se meu olhar é amargo ao invés de doce, se sou antipática ao invés de ser divertida é porque a forma como vivi minha vida me tornou assim. E meu mundo é assim.
Ninguém é obrigado a gostar do meu mundo, ele é transparente, nele não há cercas nem muros que impeçam alguém de vê-lo como é, de se enganar com a suspeita de como ele seja.
Ninguém é obrigado a aceitar o meu convite para entrar, e se aceitar, não é obrigado a permanecer, por isso, minhas fronteiras estão sempre abertas para sair quando desejar. Porque meu mundo é assim, cada um tem o seu mundo. Você tem o seu, e eu, o meu.
Não me atrevo a dizer que faço do meu mundo o que quero, faço dele o que posso, do modo como me parece apropriado, de acordo com as oportunidades que me aparecem durante a caminhada de torná-lo melhor. Meu mundo tem a minha forma, minha identidade. Ele se apresenta do modo como vivi toda a minha vida, por isso ele é pessoal, intransferível e individual.
Deixe eu viver meu mundo, deixe eu fincar nele a minha bandeira tendo ela as cores que tiver. Deixe eu criar as minhas leis e executá-las conforme meu desenvolvimento, e se eu quiser revogar alguma norma, farei quando a maturidade chegar e julgar conveniente.
Deixe eu escrever meu hino, criar meu heróis. Deixe meu mundo ser o que é ou da forma que pode ser. Porque eu sou o meu mundo, sou eu que me degladio no espelho comigo mesma. Sou eu que conto as vitórias e derrotas, sou eu que sofro as lágrimas da queda, sou eu que comemoro as subidas ao pódio. Na guerra do cotidiano, eu sou o meu exército de uma só mulher.
Permita-me, sem me julgar, que eu trilhe o meu mundo na rapidez ou lentidão dos meus passos. Permita que eu seja livre para escolher, para plantar e colher, para perder e encontrar, para vencer e ganhar, para pagar o que devo pagar. Deixe eu escolher entre o peso das pedras e o cheiro das flores.
Aceite o fato de que cada um tem o seu mundo. Você tem o seu, e eu, o meu. E seja lá como for, querendo você ou não, o meu mundo é apenas o meu mundo.

Enquanto

Meu espelho me mostra quem eu sou, enquanto minha mente me convence de quem eu poderia ser, enquanto vc deseja o que quer que eu seja, enquanto eu travo comigo uma batalha para me reconhecer no meio de tudo isso.
Quem sabe um dia eu me encontro e me digo:
- Juliana? Prazer, meu nome é Juliana.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Me falta

Me falta coragem para chorar,
Me faltam verdades até para acreditar que minhas lágrimas valem a pena nem que seja como fonte de alívio.
Me faltam forças para levantar da cama todos os dias,
Me falta sossego para dormir uma noite inteira.
Me falta leveza para sorrir para o dia que se inicia,
Me falta vontade até para realizar as tarefas comuns do meu dia.
Me falta fé na vida,
Me falta esperança no futuro,
Me falta confiança em mim mesma.
Me falta ânimo para sonhar,
Me falta equilíbrio para lidar com minhas emoções,
Me falta resignação diante das coisas que não posso mudar.
Me falta a sensibilidade de me satisfazer com que é belo,
Me falta admiração pela juventude,
Me falta a plenitude.
Me falta a crença de que minha vida vale a pena,
Me falta a crença de que minha vida tem sentido,
Me falta crer,
Me falta ser,
Me falta ter.
Me falta brio,
Me falta paz,
Me falta tudo,
Me faltam todos,
Me falta eu.
E eu me falto.