domingo, 17 de janeiro de 2010

Sonhos roubados

É surpreendente como coisas que me fizeram falta quando eu era criança ainda conseguem me fazer falta na vida adulta.
Mesmo depois de tantos anos, sinto na boca o doce e o amargo da minha infância como se tudo tivesse acontecido ontem.
Esses dias, andando pela Central do Brasil, um brechó me chamou a atenção. Tinha na vitrine dois objetos, um vestido e um tênis, que me trouxeram a lembrança de dois sonhos infantis que eu não realizei: dançar quadrilha e usar Kichute.
Lembrei que sempre quis dançar quadrilha ouvindo o bom e velho Gonzagão, usar aquela roupa comprida, colorida e cheia de enfeites. Mas meu pai não me deixava dançar para não ter que gastar grana à toa. Ele não queria "jogar dinheiro fora" comprando um vestido pra dançar só numa noite na escola. O dinheiro não foi jogado fora, mas o meu sonho...
Eu adorava. Todas às vezes que começavam os preparativos para a festa junina, eu me inscrevia. Ensaiava até o último dia, na esperança de que ele mudasse de idéia. Como isso nunca acontecia, eu dançava em todos os ensaios, mas, na grande noite, eu não aparecia.
Na aula seguinte, eu chegava inventando uma história triste ou catastrófica para justificar a minha falta na festa.
Ás vezes, sozinha, sonhando acordada, fecho os olhos e me vejo dançando com um vestido enorme e bem rodado, girando uma sombrinha de Sinhazinha ao som de Frevo Mulher na voz de Amelinha, um clássico das quadrilhas. Que deleite! Imaginário, prazeroso e solitário.
E o Kichute? Podem falar o que quiserem dele, mas eu era doida pra usar aquilo.
Minhas colegas de classe usavam com meia branca dobradinha e com o cadarço preso ao tornozelo. E eu achava lindo.
Uma vez, pedi a uma colega que trocasse comigo, na hora do recreio, o kichute dela pela minha Melissa (que eu detestava). Só para ter, pelo menos uma vez, sensação daquele tênis no meu pé. Quando o sinal tocou, a hora do recreio terminou e o meu sonho acabou.
Minha mãe nunca quis que eu usasse um Kichute, e por isso, nunca o comprou. Ela achava que ele era muito feio. "Isso é coisa pra garoto. Menina tem que usar Melissa. Eu acho mais bonito"
Pelo fato de o conceito de bonito dela ser diferente do meu, o meu sonho ficou só no sonho.
Enquanto escrevia isso, me lembrei do Pogobol. Caraca! O Pogobol da Estrela! Como eu queria pular com aquilo, eu sonhava em ter um amarelo. Nossa!
Quando pedi um pro meu pai, ele disse que eu poderia cair, me machucar e ficar com o corpo cheio de marcas de feridas, que ele chamava de "reloginho".
"Você vai cair, se machucar, ficar cheia de reloginho. E quando crescer, vai ficar feia e ninguém vai querer casar contigo. Depois vai ficar por aí chorando, velha e solteira."
É, pai. Como se não casar fosse um péssimo destino. Esses sonhos não realizados me causam mais sofrimentos do que a solteirice que eu vivo hoje. Não tenho nenhum reloginho pelo corpo e mesmo assim não casei. E duvido que marido algum seria mais interessante, que me faria mais feliz do que o Pogobol.
Ah, meus sonhos! Doces sonhos que me foram roubados!
E pra compensar essa tristeza e essa nostalgia, aqui vai uma música que cantarolei a minha infância inteira, e que quando canto, traz ao meu peito, saudades de lembranças felizes.